segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Rei da cultura inútil

 


A curiosidade sempre esteve presente na minha vida. Desde pequeno queria saber a origem das coisas, como eram feitas, quem descobriu, como funcionavam. Muitas vezes incomodei meu pai com minhas curiosidades. Com paciência, ele buscava a informação quando não a sabia para depois me dizer. Com o passar dos anos, minha curiosidade crescia e meu pai passou a recomendar que eu buscasse o conhecimento em dicionários, livros, enciclopédias. Virei rato de biblioteca, consumia tudo que é tipo de escrito.

Também sempre fui um consumidor inveterado de televisão. Via muitos desenhos animados, filmes e documentários. Quando descobria algo novo, corria para contar pro meu velho. Acabei ganhando o apelido de Rei da Cultura Inútil, pois sabia dados que não eram importantes para a ótica do meu pai. “Esse tipo de informação não vai fazer tu ser um profissional melhor”, ele dizia. Mas eu não me importava e seguia buscando a lista dos campões da Fórmula 1, do Campeonato Brasileiro e Gaúcho de futebol, dos atores que faziam os filmes que eu gostava, o nome dos personagens de desenho e quadrinhos, e por aí afora. Enfim, eu era um nerd.

Por gostar de Fórmula 1 e automobilismo de maneira geral, achei que deveria me formar engenheiro mecânico para trabalhar nessa área. Trabalhei em fábricas metal-mecânicas, mas cada vez mais lia “porcarias” e menos me interessava por cálculo, física e metalurgia. Até que alguém me sugeriu que eu aproveitasse o meu conhecimento aleatório numa faculdade na qual eu pudesse utilizá-lo: jornalismo. De repente tudo começou a fazer sentido para mim e rapidamente deixei de lado o sonho infantil da Engenharia e parti para o desafio das palavras.

Meio a contragosto, meu pai me apoiou. Ele achava que eu deveria concluir um curso para depois fazer o outro. Eu, que já tropeçava nas dificuldades de matemática, física e química, alcei voo na Comunicação Social. Cheguei a impactar meu professor Roberto Pimentel (o conhecido Tatata Pimentel) quando o corrigi em sala de aula sobre a mudança do início do ano, que era em março e passou a ser em janeiro. Além de explicar a origem, mostrei o livro onde tinha tirado essa informação. Além disso, fiz amizades, conheci pessoas, transformei a minha cultura inútil em meu alicerce de conhecimento. Como profissional do Jornalismo, trabalhei com futebol, fórmula 1, cinema, TV, esportes em geral, literatura, história, geografia e língua portuguesa.

No Correio do Povo, onde passei a maior parte da minha vida profissional, comecei como revisor. Lia todo o jornal várias vezes para lapidar os textos e evitar eventuais erros e incongruências. Passei para o Esporte, onde pude escrever sobre automobilismo, realizando meu sonho de infância. Troquei o Esporte pelo caderno de Emprego e de lá parti para fazer reportagens gerais, que iam desde política, polícia, rural, eventos, até avaliações de carros recém-lançados. Pude orgulhosamente ver meu cabedal ser utilizado diariamente nos mais diversos assuntos.

Ainda hoje, em meio aos processos jurídicos com que lido, sempre me intrometo nas conversas dos colegas mostrando meu conhecimento nos assuntos mais aleatórios possíveis. O porquê dos nomes dos países, a origem dos sobrenomes, quem é fulano, por que escrevemos tal palavra com s e não com z. O meu apelido mudou para Nildopédia, Googlenildo ou enciclopédia ambulante. Meu irmão sempre que precisa lembrar de alguma nerdice me manda um whatts. “Sabia que tu ia lembrar o nome do personagem daquele desenho”, comenta ele. Na verdade, quem está com a razão é minha esposa, que diz que sou um chato que sempre quer mostrar que sabe de tudo. E meu pai ainda me chama de Rei da Cultura Inútil, mas liga de vez em quando para salvá-lo de algum aperto no meio de conversas com seus amigos.