segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Resposta inesperada para um curioso

 


Antes de entrar para o Judiciário gaúcho, trabalhei em áreas diversas. Já fui empresário (tive uma videolocadora — tem gente que nem deve saber que isso existiu!), trabalhei em uma cutelaria (fábrica de facas e tesouras), fui responsável pelo estoque em uma fábrica de garrafas térmicas, fui motorista de aplicativo e fui repórter de jornais e revistas.

Em cada um desses lugares em que labutei eu poderia escrever algumas histórias muito particulares e engraçadas. A convivência com o ser humano sempre representa experiências singulares, capaz de nos levar de momentos de apreensão para a alegria em questões de segundos. Este exemplo que relato aconteceu quando trabalhava no Correio do Povo, onde fazia o plantão noturno.

Na noite de uma segunda-feira, a Brigada Militar e o Corpo de Bombeiros receberam um trote dizendo que um adolescente havia caído no arroio Dilúvio depois de caminhar sobre o parapeito da ponte da avenida da Azenha. Lógico que houve um cerco de curiosos sobre as muretas da ponte. Eu me debrucei sobre a mureta e fiquei observando os bombeiros trabalhando em um barco, percorrendo com uma vara o fundo do leito do arroio. Um outro bombeiro fazia o rastreio percorrendo o Dilúvio a pé, usando um macacão emborrachado para não se molhar naquelas águas fétidas.

Ao meu lado, sobre a ponte, duas senhoras de mais de 60 anos se aproximaram de mim, por trás, e começaram a conversar:

Deve ser um desses vagabundos que moram embaixo da ponte e que encheu a cara com cachaça. Bebeu tanto que caiu na água — disse a primeira.

Por que não caiu a Dilma, o Aécio ou o Collor? — questionou a segunda.

Nesse instante, um motoqueiro de telentregas parou a moto atrás delas, desceu, se aproximou do parapeito e perguntou:

O que aconteceu?

Um motoqueiro que corria em alta velocidade caiu no Dilúvio e morreu afogado — disse a primeira senhora.

Bah, tia, não diz uma coisa dessas. A senhora não tem coração — comentou o motoqueiro, e saiu de cena com sua moto.

Esse aí não corre mais — completou a idosa, olhando para a amiga.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Dicas para a vida

 


O ser humano é formado por seus pais, principalmente, nos anos iniciais e, depois, durante o amadurecimento, desenvolve seus próprios conceitos a respeito da vida e da convivência social. Meu pai me ensinou os princípios da honestidade, do respeito, da hierarquia, da obediência, mas isso não quer dizer que sempre me mantive dentro dos parâmetros por ele traçado.

Sabendo ele que eu podia mais, decidiu não gastar saliva comigo: me deixou uma lista de coisas que eu deveria fazer para ser um ser humano melhor. Coisas do tipo: elogie três pessoas por dia, assista o nascer do sol uma vez por ano, tenha um aperto de mão forte, olhe nos olhos dos outros, seja o primeiro a dizer olá, diga sempre muito obrigado, diga sempre por favor, cante no chuveiro, identifique as músicas de Chopin, Beethoven e Mozart, entre outras coisas.

Esses tipos de conselhos, por mais que sejam coisas rotineiras, sempre fazem a diferença. Eu sempre me policio para realizá-los todos os dias, mas nem sempre é possível. Nosso humor muda diariamente, sem mais nem menos, porque algumas situações nos tiram do sério. Precisamos o tempo todo perdoar as pessoas por elas serem como são, de tentar entender de que maneira entramos em situações embaraçosas, de levantar-nos das quedas, erguer a cabeça e seguir em frente.

As dicas do meu pai não se restringem ao convívio social. Elas também me recomendam a fazer coisas saudáveis, como exercitar-me diariamente, nem que sejam abdominais e apoios. A minha disposição tem evitado isso há uns bons anos, mas na juventude fui muito ativo. Mas vou retomar as caminhadas em breve e deixar o carro mais na garagem. Promessa para o ano novo.

Mas a mais importante das dicas do meu velho amigo, mestre e modelo foi o de escolher a minha esposa, Patrícia. “Escolha bem o seu cônjuge. Esta decisão única resultarão noventa por cento da sua felicidade ou da sua desgraça”, escreveu-me ele. Sim, esta escolha fiz bem. Na verdade, sempre achei que fui escolhido por ela. Foi ela a responsável por eu ter entrado no Poder Judiciário, insistindo para que eu estudasse. No mês anterior ao estudo, ela que já estava no TJ, tirou férias para estudar comigo. Percorria meus passos dentro de casa cantando musiquinhas dos cursos de português que fazia a distância.

Não é que uma das musiquinhas me fez acertar uma questão na prova? E ainda fiquei na frente dela umas cem posições. Em julho fomos chamados e em agosto estreei no Fórum de Sapucaia do Sul, onde fui muito bem recebido. A Patrícia, que já estava no TJ, mudou de cargo. Meu pai tinha razão em me deixar conselhos. “A família é a sua maior riqueza”.






terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Meus pets

 


Sempre gostei de animais. Criança, tive uma cadelinha preta semilinguiça, semivira-latas. Chamava-se Rosita. Viveu até os meus dez anos, mais ou menos. Depois tive um pastor alemão que recebeu o nome de Kojak, por causa do personagem da televisão. Era um monstro de forte, brincalhão e uivava quando tocava o sino da igreja. Como morávamos em uma casa de pátio grande, alternávamos momentos em que prendíamos o Kojak com outros que o deixávamos solto.

Apesar de ser um animal grande e nosso muro não ser muito alto, cerca de um metro e meio, o Kojak não conseguia pular o cercado. No máximo, jogava metade do peito para cima do muro. E isso já era suficiente para impor respeito e motivar que as crianças da vizinhança desistissem da ideia de subir no pé de nespereira (aquela ameixa amarela) para pegar os doces frutos da árvore. Lindo de se ver, mas não de ser a vítima, era quando o cachorro surgia do nada e latia no ouvido da pessoa que passava em frente de casa. O sujeito só parava de correr na esquina devido ao susto que levava.

Como era um terreno grande, haviam duas casas ali. Morávamos na da frente e meu tio, irmão do pai, na de trás. Meu tio tinha motocicleta e chegava em casa à noite, perto das 22h. Quando o cachorro estava solto, o portão ficava preso, o que dificultava a entrada da moto, pois o tio tinha que desatar o cadeado para depois adentrar com sua máquina, ao mesmo tempo que precisa cuidar para o cão não sair para a rua. Certa noite, tivemos que apaziguá-lo, pois queria matar o Kojak. O tio havia comprado dois cachorros-quentes e, para conseguir colocar a moto para dentro, deixou-os em cima do muro. O Kojak viu a oportunidade e consumiu os lanches que meus tios teriam naquela noite.

Fiquei anos sem cachorros, pois vivi quase 20 anos em apartamentos. Mas tive canarinhos e até um papagaio. Depois que me casei, tive que adquirir um cachorro para ajudar na recuperação da minha filha, que tinha alergia. A pediatra dela que recomendou, pois assim ela teria alguém para cuidar, brincar e se preocupar. Isso deveria melhorar a condição dela. Adquirimos um dachshund, o famoso linguicinha. O Frediano, nome que minha filha deu para ele, era preto e caramelo. Era muito brincalhão, esperto e preguiçoso. Bastava ver uma coberta que logo queria se enfiar embaixo. Tinha uma caminha fofa que ficava na sala, mas bastava eu me deitar que corria para a cama da minha filha para dormir com ela.

Todos os dias eu levava o Fred de carro para buscar minha filha na escola. O cachorro ia no banco da frente mordendo o ar e latindo para todos demais cães que via na rua. No colégio dela, Fred esperava o comando: “Chama a Luana, Fred”. E o cachorro começa a latir até ela aparecer no portão. Quando eu chegava em casa do trabalho, olhava para ele e perguntava: “Vamos passear?”. E o cachorro começava a latir, se dirigindo para a porta. Às vezes, para que o cachorro não percebesse, minha esposa perguntava, em inglês, se eu já tinha o levado para passear, pois se falasse “rua”, “passear” ou “já levou?”, o Fred entendia e ia para a porta e começava a latir.

Pouco antes de o Fred morrer atropelado, minha esposa adotou uma cadela sem raça que chamamos de Preta. Logo depois, minha filha adotou uma gata tricolor que recebeu o nome de Phoebe, em homenagem à personagem da série Friends. Quando a Luana saiu de casa, ficamos sem gata, pois ela levou a Phoebe. Sentindo certa tristeza no olhar da Patrícia, procurei outro filhote de gato abandonado e adotei uma tigrada. Quando cheguei em casa com a bichana, ela perguntou-me o nome: “Jadice”. “Não disse, não”, comentou ela. Repeti: “Jadice”. “Não disse”, já embrabecendo. Quando ela entendeu a brincadeira, renomeou a gatinha com o nome de Margot. Já faz um ano que ela anima a nossa casa junto com a Preta.